24 agosto, 2010

O brincar...

“A máxima maturidade que um homem pode atingir é quando ele tem a seriedade que as crianças têm quando brincam“.
Nietzsche

Na minha prática diária como médico recebo frequentemente famílias e observo que o Brincar deixou de ser algo natural para ser uma preocupação e uma especialização dos pais em relação aos filhos.
Brincar não se aprende nas faculdades nem nos livros.
Atualmente cada vez mais nos deparamos com crianças cheias de compromissos e com o dia cheio de atividades que, na maior parte das vezes, não têm a ver com esta real necessidade da criança que é o
brincar.


O brincar nunca pode ser encarado como um “faz de conta” mas sim como o “fazer a sério” e dita, no primeiro setenio da criança, a maneira como ela vai desenvolver-se.


A palavra brincar tem como radical a palavra “brinco”, que vem do latim “vinculu”. Brincar constitui-se como uma atividade de ligação ou vínculo com algo , consigo mesmo e com o outro. Ao brincar, a criança experiencia as funções corpóreas tanto do pensar ,como do sentir e do querer, colocando –as num processo de aceitação ou não aceitação do mundo que a rodeia. Está assim preparando o caminho para um viver em partilha, para um relacionar-se com o outro e começa a dar os primeiros passos da sua vida escolar e social.


Percebemos e basta observarmos com atenção, que a criança basicamente imita tudo o que está à sua volta. Imitar é uma função que tem origem primariamente no seu corpo.


Esta atividade é uma função que decorre da vitalidade da criança, das suas forças de crescimento, das funções básicas de manutenção da vida e da sobrevivência. Estas forças vitais, forças que são assim denominadas por R.Steiner, vão ser a base de um pensar equilibrado e de uma aprendizagem escolar sem complicações.


“O corpo é o meio pelo qual a criança absorve o mundo. Limitar o seu espaço é o mesmo que impedi-la de respirar” (R.Steiner).


Este espaço não se refere apenas ao espaço físico mas também ao seu espaço interior.


Quando uma criança brinca, brinca com todo o seu corpo através de impulsos que surgem de dentro da sua alma - fantasia, provocando nela alegria e vontade de crescer.


As crianças exprimem isto, este impulso de atividade vital, com os seus rostos corados, sorridentes e saudáveis, pequeninos sóis a irradiar calor.


Cabe ao adulto proporcionar o espaço para esta atividade tão intensa. O adulto que interfere constantemente no brincar da criança, embora o faça, muitas vezes por desconhecimento, retira a estes sóis a oportunidade de brilhar.


O adulto que em vez de observar como a criança se desenvencilha numa situação difícil e está constantemente a “ajudá-la”, está na realidade perturbando um processo de desenvolvimento da criança e cortando o vínculo que brota dela para o mundo.


Quando o adulto brinca não consegue fazê-lo com mesma intensidade com que as crianças o fazem. Falta-lhe o impulso de fantasia natural, embora tenha, no entanto, o impulso dentro de si, para a atividade artística.


Como deveríamos, assim, brincar com as crianças:


· Primeiro, respeitar o seu impulso.


· Proporcionar-lhes o espaço físico e anímico, tendo em conta que o


seu brincar é autêntico e verdadeiro.


· Executar tarefas normais no ambiente que envolve a criança, ou seja, fazer o que for necessário fazer ao longo do dia-a-dia. Assim eles captam exemplos de como e com o quê podem brincar, de acordo com as suas respectivas idades (passar, lavar, limpar,arrumar, varrer, cozinhar, apertar parafusos, serrar, pintar, trocar lampadas, consertar objetos, movimentar-se,correr, etc...); e veja-se
como eles gostam de ajudar e fazer!


· Interferir na brincadeira apenas quando se percebe que ali pode estar um motivo de risco para a sua saúde.


· Quando for chamado a brincar com elas, saber que, quando se fala muito, a criança imita e fica cada vez mais agitada.


· Mostrar-lhes a sua capacidade criativa, improvisando materiais e soluções simples para as suas brincadeiras.


· Não se esquecer de que elas estão totalmente dentro de um mundo atemporal e cabe ao adulto fazer o papel de relógio.


· Ser mediador em situações de desentendimento entre as crianças, nunca se esquecendo que todas tem razão.


· Ser aquele que pode ensinar as regras (no caso de crianças mais velhas)


Em relação ao Brinquedo, podemos apenas salientar que ele não deve constituir uma preocupação básica porque a criança brinca com aquilo que encontra em casa (salvo as coisas perigosas). A necessidade de brinquedos vai-se transformando à medida que ela cresce e adquire novos interesses. Assim, antes de se lhe dar um brinquedo, o que pode ser sempre arriscado, observemos primeiro qual é a necessidade que a criança tem nesse momento; improvisamos um, verificamos se a necessidade é real, e podemos depois agraciá-la com uma prenda.
Veremos então o seu sol interior a brilhar. Caso contrário, se lhe damos constantemente presentes, supondo que ela vai gostar, poderemos armar uma tempestade, quando elas destruírem o brinquedo que na verdade era do gosto e a expectativa do adulto mas não dela.


As crianças recordam-nos constantemente esta força vital que também temos dentro de nós. Quando dizemos que todo adulto deveria despertar a criança que há em si, é disso que estamos a falar - da frescura, da intenção e do calor quando realizamos algo.


Se fizermos o nosso trabalho de adultos com a mesma autenticidade e entusiasmo com que as crianças brincam, então estamos sendo para elas seres a quem vale a pena imitar, e não seres estranhos, afastados da natureza íntima infantil, a quem não vale a pena ter como exemplo.


Sejamos heróis todos os dias, façamos algo que valha a pena ser imitado e estaremos a brincar de maneira grandiosa com nossas crianças.

Dr. Mauro Menuzzi

in Lucia-Lima

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